segunda-feira, 2 de novembro de 2020
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
REPOUSO
Estrada de terra em João Gote, Ouro Branco, MG. Foto: Wiler Jr. |
Repouso em campos gramados por relva fina,
em lugares onde a paz
reina pura e deliciosa,
em cantos onde ninguém
me vê,
em lembranças que não
se desfazem,
em amores que nunca se
vão.
Repouso nas leves
nuvens que pairam no céu,
nas finas pétalas das
flores perenes,
nas verdes folhas das
árvores,
nas cristalinas águas
das chuvas,
nas sórdidas dores de
uma grande paixão.
Repouso nos belos
cantos dos pássaros,
na serenidade do
orvalho que escorre pelas encostas,
na beleza pura que
envolve o mundo,
no sofrimento sublime
da vida,
num querido e amado
coração.
Repouso em tudo.
Eu sou o amor.
Wiler Antônio do Carmo Jr.
Extraído do livro o museu.
domingo, 30 de agosto de 2020
AS TRÊS FACES DA MOEDA
![]() |
Antiga moeda romana com a bifronte de Jano. |
Ele era um menino franzino de nove anos, mais preto do que branco, que pela manhã brincava na rua, à tarde frequentava a escolhinha da comunidade e à noite, quando a mãe, depois de chegar de uma faxina feita no outro lado da cidade, ia cuidar de uma velha senhora no luxuoso bairro vizinho, era molestado pelo padrasto.
Chamava-se Henrique. "Nome de rei", dissera-lhe a mãe, com um sorriso no rosto ainda jovem, mas marcado por um cansaço profundo, enquanto contemplavam o pôr do sol sentados nos degraus que davam para a rua. "Da minha barriga saiu um rei."
Henrique tinha muitos amigos, mas o melhor deles era Jorge - o Joca. Numa pelada, não havia uma em que não jogassem no mesmo time. Na escola, não havia trabalhos em grupo que fizessem separados. Não havia apuros que não superassem juntos. Eram amigos inseparáveis e incontestáveis.
Como verdadeiros amigos, sonhavam com um grandioso futuro, um futuro em que ambos, juntos, seriam os protagonistas, fossem eles pedreiros, motoristas de caminhão ou, melhor ainda, jogadores de futebol. E, como verdadeiros amigos, um sabia quase tudo sobre o outro.
Certa tarde, depois de um violenta briga com o padrasto, a mãe pegou Henrique pelo braço e ambos, com apenas a roupa do corpo, partiram sem destino. Depois de voltas pela cidade dentro de um ônibus, pararam em outra comunidade, a qual possuía o que pareciam ser as mesmas casas, as mesmas vielas, a mesma gente, a mesma escolinha que possuía aquela que haviam deixado para trás.
Mas nela não existia o Joca.
Henrique chegou a reclamar com a mãe, chorando ajoelhado a seus pés. Mas a resposta era sempre a mesma: "Aqui tem muitos meninos também. Você vai fazer novos amigos. Não podemos voltar para lá, Henrique. Não podemos. Precisamos esquecer aquele lugar."
Henrique realmente fez novos amigos, mas nenhum deles substituiu o Joca. Nenhum deles enxergava um grandioso futuro. Nenhum deles tinha grandes sonhos.
Em pouco tempo, para ajudar a pagar o aluguel do cômodo que a mãe alugara, Henrique passou a acompanhar alguns meninos que iam todas as manhãs para as movimentadas avenidas em frente à comunidade, onde revezava com eles, sobre as faixas de pedestre, o malabarismo com limões ou pedras, que aprendera na marra, em troca de algumas moedas ou mesmo notas altas dadas pelos motoristas parados no sinal vermelho do semáforo. Sempre voltava a tempo de ir para a escola, onde aguardava ansiosamente pela merenda, que lhe servia de almoço. Jantava com a mãe, que agora trabalhava somente durante a manhã e a tarde.
O tempo passou. Henrique cursou o ensino médio numa escola pública distante da comunidade, pagando a condução de ônibus com o dinheiro que agora ganhava numa lojinha numa daquelas avenidas. Para orgulho dele próprio e da mãe, passou no vestibular de uma universidade pública. Em quatro anos, seria um professor.
- Meu rei será um professor! Um mestre! - gritara a mãe, com imensa alegria, enquanto lágrimas lhe escorriam pelas bochechas.
Indicado por um motorista de ônibus que se tornara seu amigo nas idas e vindas para a universidade, Henrique passou a trabalhar como trocador. A garagem de onde partia o ônibus era próxima à comunidade e o ponto final ficava próximo à universidade. Assim, resolveu unir o útil ao necessário.
Foi então que, certa tarde na garagem, enquanto aguardava a chegada do motorista, sentado em seu posto no ônibus e mexendo no telefone celular que ganhara da mãe pela entrada na universidade, um rapaz entrou pela porta do meio e parou em frente a ele, apontando-lhe agitadamente um revólver e gritando:
Henrique tinha muitos amigos, mas o melhor deles era Jorge - o Joca. Numa pelada, não havia uma em que não jogassem no mesmo time. Na escola, não havia trabalhos em grupo que fizessem separados. Não havia apuros que não superassem juntos. Eram amigos inseparáveis e incontestáveis.
Como verdadeiros amigos, sonhavam com um grandioso futuro, um futuro em que ambos, juntos, seriam os protagonistas, fossem eles pedreiros, motoristas de caminhão ou, melhor ainda, jogadores de futebol. E, como verdadeiros amigos, um sabia quase tudo sobre o outro.
Certa tarde, depois de um violenta briga com o padrasto, a mãe pegou Henrique pelo braço e ambos, com apenas a roupa do corpo, partiram sem destino. Depois de voltas pela cidade dentro de um ônibus, pararam em outra comunidade, a qual possuía o que pareciam ser as mesmas casas, as mesmas vielas, a mesma gente, a mesma escolinha que possuía aquela que haviam deixado para trás.
Mas nela não existia o Joca.
Henrique chegou a reclamar com a mãe, chorando ajoelhado a seus pés. Mas a resposta era sempre a mesma: "Aqui tem muitos meninos também. Você vai fazer novos amigos. Não podemos voltar para lá, Henrique. Não podemos. Precisamos esquecer aquele lugar."
Henrique realmente fez novos amigos, mas nenhum deles substituiu o Joca. Nenhum deles enxergava um grandioso futuro. Nenhum deles tinha grandes sonhos.
Em pouco tempo, para ajudar a pagar o aluguel do cômodo que a mãe alugara, Henrique passou a acompanhar alguns meninos que iam todas as manhãs para as movimentadas avenidas em frente à comunidade, onde revezava com eles, sobre as faixas de pedestre, o malabarismo com limões ou pedras, que aprendera na marra, em troca de algumas moedas ou mesmo notas altas dadas pelos motoristas parados no sinal vermelho do semáforo. Sempre voltava a tempo de ir para a escola, onde aguardava ansiosamente pela merenda, que lhe servia de almoço. Jantava com a mãe, que agora trabalhava somente durante a manhã e a tarde.
O tempo passou. Henrique cursou o ensino médio numa escola pública distante da comunidade, pagando a condução de ônibus com o dinheiro que agora ganhava numa lojinha numa daquelas avenidas. Para orgulho dele próprio e da mãe, passou no vestibular de uma universidade pública. Em quatro anos, seria um professor.
- Meu rei será um professor! Um mestre! - gritara a mãe, com imensa alegria, enquanto lágrimas lhe escorriam pelas bochechas.
Indicado por um motorista de ônibus que se tornara seu amigo nas idas e vindas para a universidade, Henrique passou a trabalhar como trocador. A garagem de onde partia o ônibus era próxima à comunidade e o ponto final ficava próximo à universidade. Assim, resolveu unir o útil ao necessário.
Foi então que, certa tarde na garagem, enquanto aguardava a chegada do motorista, sentado em seu posto no ônibus e mexendo no telefone celular que ganhara da mãe pela entrada na universidade, um rapaz entrou pela porta do meio e parou em frente a ele, apontando-lhe agitadamente um revólver e gritando:
- Passa a grana, otário! Perdeu!
Henrique o reconheceu.
- Joca? É você?!
- Cala a boca, maluco! Passa logo o dinheiro! Rápido, senão te meto um tiro na cara!
Os olhos do rapaz, exageramente arregalados sobre olheiras profundas, estavam pulsantes de fúria. Sua boca de lábios escuros com estranhas queimaduras possuía poucos dentes, todos enegrecidos e quebrados em vários pontos. Saía dela um cheiro forte e nauseante. Agitado, virava incessamente a cabeça em direção à secretaria e à entrada da garagem, mas não tirava a mira do revólver de Henrique.
- Joca! Sou eu, Henrique! Não se lembra de mim?
- Já mandei calar a boca! E passa logo esse dinheiro pra cá! Rápido!
- Joca! Mas sou eu, seu amigo! Não está me reconhecendo?
- Você pediu!
O revólver disparou.
Henrique o reconheceu.
- Joca? É você?!
- Cala a boca, maluco! Passa logo o dinheiro! Rápido, senão te meto um tiro na cara!
Os olhos do rapaz, exageramente arregalados sobre olheiras profundas, estavam pulsantes de fúria. Sua boca de lábios escuros com estranhas queimaduras possuía poucos dentes, todos enegrecidos e quebrados em vários pontos. Saía dela um cheiro forte e nauseante. Agitado, virava incessamente a cabeça em direção à secretaria e à entrada da garagem, mas não tirava a mira do revólver de Henrique.
- Joca! Sou eu, Henrique! Não se lembra de mim?
- Já mandei calar a boca! E passa logo esse dinheiro pra cá! Rápido!
- Joca! Mas sou eu, seu amigo! Não está me reconhecendo?
- Você pediu!
O revólver disparou.
A bala atingiu Henrique no coração.
Enquanto tombava debilmente para as poltronas à sua esquerda, o celular caiu de sua mão frouxa. Escutou o baque do revólver ao ser pousado sobre o caixa e o farfalhar violento de notas e moedas.
Antes de fechar os olhos, viu Joca pegar o telefone celular do chão e pisar na poça de sangue enquanto corria para a porta. As moedas tilintavam em seus bolsos.
Antes de fechar os olhos, viu Joca pegar o telefone celular do chão e pisar na poça de sangue enquanto corria para a porta. As moedas tilintavam em seus bolsos.
segunda-feira, 22 de junho de 2020
INCOMPREENSÃO
Deixei atrás das grades do portão
o cachorro, meu amigo,
que, sentado nas patas traseiras,
o rabo estático,
a cabeça ereta,
o focinho agitado rastreando o ar,
as orelhas baixas,
os olhos brilhantes fixos em mim,
observava eu me afastar
sem entender aonde
e por que eu ia,
não sabendo ele que eu
também não sabia decerto
o motivo daquilo:
eu simplesmente saía
e seguia os passos que os outros
diziam que era devido seguir
para que um dia eu pudesse
ser plenamente feliz.
Wiler Antônio do Carmo Jr.
quarta-feira, 27 de maio de 2020
NOTA DE REPÚDIO À IGNORÂNCIA
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Foto: @wilerjrxd |
Não me conformo com a ignorância
que permite ao povo apoiar a subida de tiranos demagogos ao poder, vendo neles os heróis que o salvará da miséria, sem perceber que esses mesmos heróis o colocaram nela.
Não me conformo com a ignorância
que mantém o povo com as mentes e os bolsos abertos às palavras mentirosas e traiçoeiras de charlatães religiosos que se aproveitam da fragilidade humana perante a vida para extorquir o fruto do trabalho desse povo em troca de falsas promessas.
Não me conformo com a ignorância
que dissemina todo tipo de intolerância, promovendo a desigualdade e a violência entre esse povo que é tão belo e tão rico pela diversidade que ostenta.
Não me conformo com a ignorância
que permite ao povo acreditar em superstições e pseudociências, as quais impõem barreiras aos avanços da ciência que permite a perpetuação da vida e o real conhecimento do mundo.
Não me conformo que essa ignorância exista, em maior parte, por causa do método tradicional de ensino aplicado nas escolas, que dificilmente conquista o interesse e o entusiasmo do povo para o conhecimento; não estimula seu pensamento crítico e ainda sufoca sua criatividade.
Wiler Antônio do Carmo Jr.
terça-feira, 28 de abril de 2020
SIMBIOSE
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Abelhas colhendo pólen nas flores de uma begônia de cera. Foto: @wilerjrxd |
Das tantas espécies existentes
por todo o mundo,
na água, na terra, no ar,
das menores às maiores,
se o homem deixasse de existir,
nada a elas iria faltar.
Mas, egocêntrico e cruel,
mesmo ínfimo perante
a imensidão do Universo,
vivendo a fantasia de se ver
como uma criatura especial,
subestimando e desrespeitando
a simbiose que lhe permite a vida
e exterminando sem piedade
uma espécie após a outra,
o único ser consciente de sua própria morte
contribui para seu próprio fim.
Wiler Antônio do Carmo Jr.
domingo, 26 de janeiro de 2020
CORES E FLORES
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Flor do camará, também conhecido como cambará, camará-de-cheiro, camará-de-espinho, cambará-de-cheiro, cambará-de-chumbo, cambará-de-espinho, cambará-miúdo, cambará-verdadeiro e cambará-vermelho. Foto: @wilerjrxd |
Das cores tantas
que a natureza em si abrange,
as belas flores
abusam de nossos sentidos
ao ostentá-las;
e cativos das singulares belezas
das tantas dessas
que existem pelo mundo,
nós, meros humanos,
dependentes dos frutos
que às plantas permitem gerar
e incapazes de tamanho poder
por nossa própria conta,
nos mantemos sujeitos
à dominação silenciosa
imposta por elas.
Wiler Antônio do Carmo Jr.
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