quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Prólogo de "O Refúgio dos Lobos", meu primeiro romance de fantasia

Capa do livro “O Refúgio dos Lobos”.




Após alguns bons e prazerosos anos de escrita (e muita, muita, muita leitura) e um último ano de revisões junto a alguns leitores beta, é com imenso prazer que disponibilizo o prólogo do meu primeiro romance de fantasia épica “O Refúgio dos Lobos”, o primeiro volume da série “As Crônicas do Tirano”, cujo eBook já se encontra em pré-venda na Amazon e será lançado no próximo dia 11/03, assim como o livro físico.

A expectativa, claro, é que todos apreciem a leitura do livro assim como apreciei escrevê-lo. E será um prazer receber qualquer feedback de todos vocês.

Mas, sem mais delongas, vamos ao que interessa! :)


Prólogo de “As Crônicas do Tirano: O Refúgio dos Lobos”


– Blasfêmia! – sibilava o arquissacerdote na língua de Aesllelian, enquanto descia os íngremes e estreitos degraus de basalto iluminados por archotes cujo fogo quase lhe alcançava os cabelos. O arrastar das sandálias, o chiado da voz e o farfalhar da samarra ecoavam levemente pelo abismo em que mergulhava. – Disparate! Heresia!

Chegou ao pé da escada em silêncio. Estava numa gélida câmara de teto baixo, em cujo ar pairava um denso cheiro de pedra e mofo e ecoava um gotejar intermitente que brotava de pontos invisíveis na escuridão. “Cheiros e sons sempre familiares”, pensou, “mas seria melhor se não fosse preciso senti-los e ouvi-los novamente, e pudesse esquecê-los para sempre. Contudo, se a Escuridão avança novamente, que joguemos a Luz contra ela”.

A câmara estava enfiada em uma escuridão que só não era completa por causa da luz alaranjada de uma chama que tremeluzia menos de trinta passos adiante, junto a uma das portas de madeira escura cravadas na parede esquerda, as quais eram ladeadas por arandelas com archotes apagados. Na parede à direita também havia portas, que, como suas irmãs fronteiras, eram adornadas por dois cinturões de ferro espaçados abaixo de uma portinhola gradeada. Mas o que mais chamava a atenção nelas, e fazia um orgulho imensurável invadi-lo sempre que ia até ali, era o fato de que nenhuma delas possuía uma fechadura visível.

Percorreu lentamente o corredor em direção à chama flutuante e parou a um passo do homem parado em frente à porta que a ladeava.

– Faz um bom tempo que não preciso vir à masmorra, Zigfryd – começou calmamente, na Língua Comum, fitando os grandes olhos negros do homem, que o observavam com certo temor. “Os olhos da lealdade”, pensou.

– Digo o mesmo, senhor arquissacerdote – respondeu o homem, a voz grave ressoando pela câmara como um trovão. – Digo o mesmo.

Era um homem moreno, alto como seu interlocutor, mas robusto e forte como um touro, e pelo menos três vezes mais jovem do que ele. Vestia um casaco, uma calça e duas botas de cano alto de couro cozido incrivelmente limpos e à direita de sua cintura carregava uma longa espada numa reluzente bainha de couro negro. Abaixo de seus negros cabelos cortados rente, suas feições duras e indiferentes no rosto com barba por fazer e uma cicatriz horizontal acima da sobrancelha direita amedrontariam e afastariam dele qualquer um que, sem conhecê-lo, se aproximasse. Mas não o arquissacerdote Drunead, que o carregara nos braços quando era um minúsculo e vulnerável filhote e lhe concedera os cuidados que um autêntico pai daria ao filho enquanto crescia.

– É o primeiro em anos – continuou Zigfryd, entendendo o silêncio do arquissacerdote –, como o senhor bem deve se lembrar. Tanto é que a masmorra só cheira a água, pedra e mofo. – Mostrou a sombra de um sorriso astuto, mas logo a reprimiu, repreendido por uma contração involuntária do lábio inferior do outro. – Foi capturado perto do moinho de Esghor, e o velho e seus lacaios até saíram para ver o que estava aconte…

– Não no mercado? – Drunead ergueu uma sobrancelha.

– Não no mercado. Gritava, gritava para todos que passavam pelas ruas próximas ao lugar. Acredito que nas tabernas também o ouviam: era impossível não ouvi-lo. Gritava não como um louco, mas de um jeito estranho… hummm… poético, como um bardo.

– Tentava convencê-los?

– Isso, exatamente isso! Não havia música, não tinha um alaúde ou qualquer outra coisa parecida, mas havia algo em sua voz que chamava a atenção de todos, mesmo sendo um maltrapilho sujo e piolhento. Aliás, acredite se quiser, não tem piolho, nem um único piolho!

– O que falou, afinal? – Drunead sabia muito bem o que o delinquente falara, mas precisava escutar de novo, quantas vezes fosse possível, para se convencer de que aquilo era real e que devia lutar contra a Escuridão novamente.

– Pelo que me contaram, dizia que aqueles que o ouviam não deviam escutar o que os abastados diziam e que deviam abrir seus olhos, prestar atenção à falta de sentido do que lhes era dito por eles; que deviam se proteger da peste mantendo-se o máximo dentro de casa, não saindo sem necessidade, evitando aqueles que tossiam, pois não haveria fé em Arvhar ou nos atos do rei que fariam a peste deixar de consumir aqueles que fossem acometidos por ela. Dizia abertamente que estavam todos sendo enganados pelos tais abastados, aqueles que se dizem seus protetores.

Rangendo ligeiramente os dentes, o arquissacerdote desviou os olhos para a chama vacilante, a qual pulsava e ressoava como se acompanhasse as batidas de seu coração.

– Abra a porta – ordenou sem olhar para Zigfryd, dando um passo atrás.

– Não quer vê-lo pela portinhola primeiro, senhor arqui…

– Abra a porta.

O brutamontes deu de ombros, avançou para a porta e abriu-a sem muito esforço, empurrando-a.

A cela era espaçosa e seguia a altura da câmara. Também como a câmara, suas paredes eram de basalto lavrado rusticamente. Mesmo em meio à penumbra, era possível ver, no chão ao fundo, no canto direito, um pequeno buraco circular e, no esquerdo, na forma de um colchão, um monte de palha úmida e escura, cujo cheiro acre enchia todo o ar. O prisioneiro estava no centro, os pulsos presos a correntes que pendiam do teto e a ponta dos polegares de seus pés mal alcançando o chão.

Zigfryd entrou primeiro e, por hábito, parou à esquerda do prisioneiro a uma distância segura, pousando a mão direita sobre a empunhadura da espada e verificando os pontos em que estavam presos os grilhões no teto e no chão, enquanto mirava o rosto do prisioneiro com desconfiança. Drunead parou do outro lado, um passo mais próximo do centro, e entrelaçou as mãos atrás das costas.

– Não passa de uma criança – constatou secamente, considerando o prisioneiro da cabeça aos pés. – Admiro o fato de suas mãos não escaparem pelas algemas, mesmo apertadas nos limites dos parafusos.

Era de fato muito jovem – não devia ter mais do que treze, catorze anos. Apesar da sujeira que o cobria, seu rosto revelava-se bem formado e belo sob os curtos cabelos claros. Seu olho esquerdo estava inchado e semicerrado e tinha os arredores marcados por um hematoma; entretanto, era possível ver a profunda cor azul penetrada pelos parcos raios de luz que entravam na cela.

– Vejo que o agrediram – constatou novamente, sem desviar os olhos do jovem.

– Ele mordeu um dos guardas durante a captura e nã…

– Pegaram-no na frente de todos?

– Não, não. Esperaram que ele terminasse o… discurso… e o pegaram quando passava por um beco no caminho para o sul da Ala Leste.

– Deveriam tê-lo convencido a entrar no tal beco antes que terminasse de falar, sem que as pessoas percebessem, é claro. Seus soldados não têm sido ensinados sobre isso, Zigfryd? O que lhe damos não é suficiente para conceder o treinamento apropriado sobre algo tão simples? É verdade que há muitos anos isso não acontece, mas é um treinamento que jamais deixou a pauta, embora talvez um dia venha a deixá-la, caso Arvhar nos conceda tal graça.

Zigfryd engoliu em seco, a mão que descansava na empunhadura tremendo ligeiramente, e permaneceu em silêncio.

– Não importa – o arquissacerdote olhou para ele de soslaio, revelando o simulacro de um sorriso com os lábios cerrados. – Fico satisfeito que não tenha se arriscado a mentir. Pelo menos não o mataram, como os outros imbecis da Guarda costumam fazer a certos pivetes, e ainda bem que alguns dos nossos estavam entre eles. E espero que tenham sido discretos ao trazê-lo para cá.

Drunead voltou-se novamente para o jovem, mirando-o diretamente nos olhos. Sentia emanar daquelas profundezas azul alaranjadas uma silenciosa fúria quase palpável, dirigida a ele sem qualquer sombra de temor. A mesma fúria incidia nas sobrancelhas franzidas e nos finos lábios contraídos, que tremiam ligeiramente.

– Vejo coragem em você, criança – falou. – Muita coragem, é verdade. E essa coragem, usada para percorrer os caminhos corretos e atingir os objetivos corretos, pode fazer de você um grande homem.

– Prefiro morrer a fazer parte da nojenta seita de vocês, seus porcos sanguinários – vociferou o jovem, cuspindo e mostrando os dentes depois de avançar a cabeça, o que forçou o sacerdote a recuar um passo.

Zigfryd, por reflexo, xingou e saltou em direção ao jovem com o enorme punho direito fechado; porém foi contido por um grito de repreensão do arquissacerdote, que limpava o rosto com a manga da samarra.

– Pequei ao me esquecer de outra máxima disse Drunead calmamente depois de um breve silêncio, sorrindo desdenhosamente sem mostrar os dentes –, uma sábia máxima dos Antigos, que nos adverte que onde há coragem também há insolência. E mais: que a insolência pode ser curada; já a coragem, não. Não passa de uma criança cujo cheiro de cueiro ainda não deixou sua pele e enche todo o ar à sua volta. Ainda assim, tem a insolência e a coragem de insultar alguém muito mais velho e sábio e em um nível de respeito inalcançável a seus olhos. O cristal tendo de lembrar seu valor à escória.

Zigfryd soltou uma risada sarcástica com a garganta. Os olhos do menino continuavam vivos e, em sua fúria azul alaranjada, fitavam Drunead sem piscar, impassíveis.

– E podemos curar a insolência não de um leitãozinho somente – falou o arquissacerdote em um tom arrastado, dando um passo à frente, as mãos novamente entrelaçadas às costas, e inclinando-se para mirar bem de perto os olhos do jovem –, mas de todos os outros que existem no chiqueiro. E há um chiqueiro, não é?

Drunead notou quando o jovem não pôde se conter, engolindo em seco e ofuscando por um átimo o cintilar de seus olhos.

– Claro – zombou, agora revelando seus dentes incrivelmente brancos num sorriso cheio de malícia, enquanto se empertigava e recuava um passo atrás –, é claro que há! Assim como existem a coragem exacerbada e a insolência audaz, existe alguém mais, e bem próximo, que as compartilha, que pensa em usá-las para algo. Ambas não existem em um corpo sozinho.

Silêncio.

Silêncio e o ferver dos olhos que consumiam uns aos outros.

– E então, leitãozinho insolente – perguntou Drunead secamente –, vai nos dizer por bem ou por mal onde fica o chiqueiro imundo de onde você saiu?

O prisioneiro não mexeu um músculo.

– Muito bem.

O arquissacerdote apertou os lábios e contorceu-os num esgar asqueroso; em seguida, virou-se bruscamente na direção da porta e caminhou para fora da cela. Por hábito, Zigfryd o seguiu.

– Primeiro, o azorrague – ordenou Drunead com a voz calma, mas cheia de uma fúria contida, sem olhar para o brutamontes, quando já estavam no meio do corredor. – Depois use o que achar conveniente. – Calou-se por um instante; então, antes de pisar no primeiro degrau de pedra, concluiu: – Descubra. Descubra onde estão.


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Livro físico: (a ser disponibilizado)
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Sinopse
Argon acaba de perder os pais para a peste que surgiu em Lathar, a capital do reino de Larethian, após um verão de chuvas atípicas, e é forçado a vagar pelas ruas da cidade em busca de comida e abrigo, sendo rejeitado até mesmo pelos que se encontram na mesma situação.
Em certo ponto, após dias sem comer um farelo de pão sequer, percebe que a única possível solução para sua sobrevivência é roubar.
Depois de realizar tal ato, foge no encalço de dois meninos que faziam o mesmo e sua história muda de uma vez por todas.